terça-feira, 26 de março de 2013

Sophia de Mello Breyner Andresen



Sophia de Mello Breyner Andresen


Sophia de Mello Breyner Andresen nasceu no Porto a 6 de Novembro de 1919, no seio de uma família aristocrática. Viveu no Porto e na Praia da Granja, que a inspirou com o mar e os pinhais. Frequentou Filologia Clássica na Universidade de Lisboa, que não chegou a concluir e, mais tarde, casou-se com o jornalista e político Francisco Sousa Tavares, tendo cinco filhos. Estes foram a sua motivação para a escrita de contos infantis, como "O Rapaz de Bronze", "A Fada Oriana" e "A Menina do Mar". Criada na velha aristocracia portuguesa, educada nos valores tradicionais da moral cristã, dirigente de movimentos universitários católicos, veio a tornar-se uma das figuras mais representativas de uma altitude política liberal, denunciando os falsos critérios do regime salazarista e os seus seguidores mais radicais. Foi ainda candidata a Deputada da Assembleia Constituinte, pelo Partido Socialista, e, tradutora para português de obras de Claudel, Dante, Shakespeare e Eurípedes, chegando a ser condecorada pelo governo italiano pela sua tradução de "O Purgatório". A escritora ganhou ainda o Grande Prémio de Poesia da Sociedade Portuguesa de Escritores, o Grande Prémio Calouste Gulbenkian de Literatura para Crianças e o Prémio 50 Anos de Vida Literária. Faleceu a 21 de Julho de 2004 com 84 anos de idade.

Caracterização da obra

Da sua infância e juventude, a autora recorda sobretudo a importância das casas, lembrança que terá grande impacto na sua obra, ao descrever as casas e os objectos dentro delas, dos quais se lembra. Explica isso do seguinte modo: "Tenho muita memória visual e lembro-me sempre das casas, quarto por quarto, móvel por móvel e lembro-me de muitas casas que desapareceram da minha vida (…). Eu tento «representar», quer dizer, «voltar a tornar presentes» as coisas de que gostei e é isso o que se passa com as casas: quero que a memória delas não vá à deriva, não se perca"[4] Está presente em Sophia também uma ideia da poesia como valor transformador fundamental. A sua produção corresponde a ciclos específicos, com a culminação da actividade da escrita durante a noite: "não consigo escrever de manhã, (…) preciso daquela concentração especial que se vai criando pela noite fora.".[5] A vivência nocturna da autora é sublinhada em vários poemas ("Noite", "O luar", "O jardim e a noite", "Noite de Abril", "Ó noite"). Aceitava a noção de poeta inspirado, afirmava que a sua poesia lhe acontecia, como a Fernando Pessoa: "Fernando Pessoa dizia: «Aconteceu-me um poema». A minha maneira de escrever fundamental é muito próxima deste «acontecer». (…) Encontrei a poesia antes de saber que havia literatura. Pensava mesmo que os poemas não eram escritos por ninguém, que existiam em si mesmos, por si mesmos, que eram como que um elemento do natural, que estavam suspensos imanentes (…). É difícil descrever o fazer de um poema. Há sempre uma parte que não consigo distinguir, uma parte que se passa na zona onde eu não vejo.".[6] A sua própria vida e as suas próprias lembranças são uma inspiração para a Autora, pois, como refere Dulce Maria Quintela (1981:112), ela "fala de si, através da sua poesia".

'Sofia de Melo Breyner Andresen fez-se poeta já na sua infância, quando, tendo apenas três anos, foi ensinada "A Nau Catrineta" pela sua ama Laura (Quintela, op.cit:112):

    "Havia em minha casa uma criada, chamada Laura, de quem eu gostava muito. Era uma mulher jovem, loira, muito bonita. A Laura ensinou-me a "Nau Catrineta" porque havia um primo meu mais velho a quem tinham feito aprender um poema para dizer no Natal e ela não quis que eu ficasse atrás… Fui um fenómeno, a recitar a "Nau Catrineta", toda. Mas há mais encontros, encontros fundamentais com a poesia: a recitação da "Magnífica", nas noites de trovoada, por exemplo. Quando éramos um pouco mais velhos, tínhamos uma governanta que nessas noites queimava alecrim, acendia uma vela e rezava. Era um ambiente misto de religião e magia… E de certa forma nessas noites de temporal nasceram muitas coisas. Inclusivamente, uma certa preocupação social e humana ou a minha primeira consciência da dureza da vida dos outros, porque essa governanta dizia: «Agora andam os pescadores no mar, vamos rezar para que eles cheguem a terra» (…)."[7]

Baseando-nos nas observações de Luísa Pessoa (2006), desenvolvamos alguns dos tópicos mais relevantes na sua criação literária:

A infância e juventude – constituem para a Autora um espaço de referência ("O jardim e a casa", Poesia, 1944; "Casa", Geografia, 1967; "Casa Branca", Poesia, 1944; "Jardim Perdido", Poesia, 1944; "Jardim e a Noite", Poesia, 1944).

O contacto com a Natureza também marcou profundamente a sua obra. Era para a Autora um exemplo de liberdade, beleza, perfeição e de mistério e é largamente citada da sua obra, quer citada pelas alusões à terra (árvores, passaros, o luar), quer pelas referências ao mar (praia, conchas, ondas).

O Mar é um dos conceitos-chave na criação literária de 'Sofia de Melo Breyner Andresen: "Desde a orla do mar/ Onde tudo começou intacto no primeiro dia de mim".[8] O efeito literário da inspiração no Mar pode se observar em vários poemas, como, por exemplo, "Homens à beira-mar" ou "Mulheres à beira-mar". A Autora comenta isso do seguinte modo:

"Esses poemas têm a ver com as manhãs da Granja, com as manhãs da praia. E também com um quadro de Picasso. Há um quadro de Picasso chamado Mulheres à beira-mar. Ninguém dirá que a pintura do Picasso e a poesia de Lorca tenham tido uma enorme influência na minha poesia, sobretudo na época do Coral… E uma das influências do Picasso em mim foi levar-me a deslocar as imagens."[3]

Outros exemplos em que claramente se percebe o motivo do mar são: "Mar" em Poesia, 1944; "Inicial" em Dual, 1972; "Praia" em No Tempo dividido; "Praia" em Coral, 1950; "Açores" em O Nome das Coisas, 1977. Neles exprime-se a obsessão do mar, da sua beleza, da sua serenidade e dos seus mitos. O Mar surge aqui como símbolo da dinâmica da vida. Tudo vem dele e tudo a ele regressa. É o espaço da vida, das transformações e da morte.

A cidade constitui outro motivo frequentemente repetido na obra de SMB ("Cidade" em Livro Sexto, 1962; "Há Cidades Acesas", Poesia, 1944; "Cidade" em Livro Sexto, 1962; "Fúrias", Ilhas, 1989). A cidade é aqui um espaço negativo. Representa o mundo frio, artificial, hostil e desumanizado, o contrário da natureza e da segurança.

Outro tópico acentuado com frequência na obra de Sofia é o tempo: o dividido e o absoluto que se opõem. O primeiro é o tempo da solidão, medo e mentira, enquanto o tempo absoluto é eterno, une a vida e é o tempo dos valores morais ("Este é o Tempo", Mar Novo, 1958; "O Tempo Dividido", No Tempo Dividido, 1954). Segundo Eduardo Prado Coelho,[9] o tempo dividido é o tempo do exílio da casa, associado com a cidade, porque a cidade é também feita pelo torcer de tempo, pela degradação.

'Sofia de Melo Breyner Andresen era admiradora da literatura clássica. Nos seus poemas aparecem frequentemente palavras de grafia antiga (Eurydice, Delphos, Amphora). O culto pela arte e tradição próprias da civilização grega são lhe próximos e transparecem pela sua obra ("O Rei de Itaca", O Nome das Coisas, 1977; "Os Gregos", Dual, 1972; "Exílio", O Nome das Coisas, 1977; "Soneto de Eurydice", No Tempo Dividido, "Crepúsculo dos Deuses", Geografia; "O Rei de Itaca", O Nome das Coisas, 1977; "Ressurgiremos", Livro Sexto, 1962).

Além dos aspectos temáticos referidos acima, vários autores (Pessoa, op.cit:64-71; Quintela, 1981:112-114; Sena, 1988:174; Berrini, 1985[10]) sublinham a enorme influência de Fernando Pessoa na obra de 'Sofia de Melo Breyner Andresen. O que os dois autores têm em comum é: a influência de Platão, o apelo ao infinito, a memória de infância, o sebastianismo e o messianismo, o tom formal que evoca Álvaro de Campos. A figura de Pessoa encontra-se evocada múltiplas vezes nos poemas de Sophia ("Homenagem a Ricardo Reis", Dual, 1972; "Cíclades (evocando Fernando Pessoa)", O Nome das Coisas, 1977).

De modo geral, o universo temático da Autora é abrangente e pode ser representado pelos seguintes pontos resumidos (Besse, 1990, 11,13; Pessoa, 2006:15):

    A busca da justiça, do equilíbrio, da harmonia e a exigência do moral
    Tomada de consciência do tempo em que vivemos
    A Natureza e o Mar – espaços eufóricos e referenciais para qualquer ser humano
    O tema da casa
    Amor
    Vida em oposição à morte
    Memória da infância
    Valores da antiguidade clássica, naturalismo helénico
    Idealismo e individualismo ao nível psicológico
    O poeta como pastor do absoluto
    O humanismo cristão
    A crença em valores messiânicos e sebastianistas
    Separação

Quanto ao estilo de linguagem de 'Sofia de Melo Breyner Andresen, podemos constatar que, como refere Besse (op.cit: 14), Sophia de Mello Breyner tem um estilo característico, cujas marcas mais evidentes são: o valor hierático da palavra, a expressão rigorosa, o apelo à visão clarificadora, riqueza de símbolos e alegorias, sinestesias e ritmo evocador de uma dimensão ritual. Nota-se uma "transparência da palavra na sua relação da linguagem com as coisas, a luminosidade de um mundo onde intelecto e ritmo se harmonizam na forma melódica, perfeita".[11]

A opinião sobre ela de alguns dos mais importantes críticos literários portugueses é a mesma: o talento da autora é unanimemente apreciado. Eduardo Lourenço afirma que a Sophia de Mello Breyner tem uma sabedoria "mais funda do que o simples saber", que o seu conhecimento íntimo é imenso e a sua reflexão, por mais profunda que seja, está exposta numa simplicidade original.[12] Seguem alguns exemplos de outros estudiosos a comprovar essa opinião:

    "A sua sensibilidade de poeta oscila entre o modernismo de expressão e um classicismo de tom, caracterizado por uma sobriedade extremamente dominada e por uma lucidez dialéctica que coloca muitas das suas composições na linha dos nossos melhores clássicos." (Álvaro Manuel Machado, Quem é Quem na Literatura Portuguesa)

    "'Sofia de Melo Breyner Andresen é, quanto a nós, um caso ímpar na poesia portuguesa, não só pela difusa sedução dos temas ou pelos rigores da expressão, mas sobretudo por qualquer coisa, anterior a isso tudo, em que tudo isso se reflecte: uma rara exigência de essencial-idade". (David Mourão-Ferreira, Vinte Poetas Contemporâneos)

    "A poesia de 'Sofia de Melo Breyner Andresen é (…) uma das vozes mais nobres da poesia portuguesa do nosso tempo. Entendamos, por sob a música dos seus versos, um apelo generoso, uma comunhão humana, um calor de vida, uma franqueza rude no amor, um clamor irredutível de liberdade – aos quais, como o poeta ensina, devemos erguer-nos sem compromissos nem vacilações." (Jorge de Sena, "Alguns Poetas de 1938" in Colóquio Artes e Letras, nº 1, Janeiro de 1959)

Obras
Poesia
Busto de Sophia de Mello Breyner no Jardim Botânico do Porto.

    Poesia (1945, Cadernos de Poesia, nº 1, Coimbra; 3ª ed. 1975)
    O Dia do Mar (1947, Lisboa, Edições Ática; 3ª ed. 1974)
    Coral (1950, Porto, Livraria Simões Lopes; 2ª ed., ilustrada por Escada, Lisboa, Portugália, 1968)
    No Tempo Dividido (1954, Lisboa, Guimarães Editores)
    Mar Novo (1958, Lisboa, Guimarães Editores)
    Livro Sexto (1962, Lisboa, Livraria Morais Editora; 7ª ed. 1991)
    O Cristo Cigano (1961, Lisboa, Minotauro, ilustrado por Júlio Pomar)
    Geografia (1967, Lisboa, Ática)
    Grades (1970)
    11 Poemas (1971)
    Dual (1972, Lisboa, Moraes Editores; 3ª ed., Lisboa, Salamandra, 1986)
    Antologia (1975)
    O Nome das Coisas (1977, Lisboa, Moraes Editores)
    Navegações(1983)
    Ilhas (1989)
    Musa (1994)
    Signo (1994)
    O Búzio de Cós (1997)
    Mar (2001) - antologia organizada por Maria Andresen de Sousa Tavares
    Primeiro Livro de Poesia (infanto-juvenil) (1999)
    Orpheu e Eurydice (2001)

Poemas não incluídos na Obra Poética:[13]

    "Juro que venho para mentir"; "És como a Terra-Mãe que nos devora"; "O mar rolou sobre as suas ondas negras"; "História improvável"; "Gráfico", Távola Redonda - Folhas de Poesia, nº 7, Julho, 1950.
    "Reza da manhã de Maio"; "Poema", A Serpente - Fascículos de Poesia, nº 1, Janeiro, 1951.
    "Caminho da Índia", A Cidade Nova, suplemento dos nº 4-5, 3ª série, Coimbra, 1958.
    "A viagem" [Fragmento do poema inédito "Naufrágio"], Cidade Nova, 5ª série, nº 6, Dezembro, 1958.
    "Novembro"; "Na minha vida há sempre um silêncio morto"; "Inverno", Fevereiro - Textos de Poesia, 1972.
    "Brasil 77", Loreto 13 - Revista Literária da Associação Portuguesa de Escritores, nº 8, Março, 1982.
    "A veste dos fariseus", Jornal dos Poetas e Trovadores - Mensário de Divulgação Cultural, nº 5/6, 2ª série, Março/Abril, 1983.
    "Oblíquo Setembro de equinócio tarde", Portugal Socialista, Janeiro, 1984.
    "Canção do Amor Primeiro", Sete Poemas para Júlio (Biblioteca Nacional, cota nº L39709), 1988.
    "No meu Paiz", Escritor, nº 4, 1995.
    "D. António Ferreira Gomes. Bispo do Porto"; "Naquele tempo" ["Dois poemas inéditos"], Jornal de Letras, 16 Jun., 1999.

Ficção
Contos

    Contos Exemplares (1962, Lisboa, Livraria Morais Editora; 24ª ed. 1991)
    Histórias da Terra e do Mar (1984, Lisboa, Edições Salamandra; 3ªed., Lisboa, Texto Editora, 1989)

Contos Infantis

    A Menina do Mar (1958)
    A Fada Oriana (1958)
    Noite de Natal(1959)
    O Cavaleiro da Dinamarca (1964)
    O Rapaz de Bronze (1965)
    A Floresta (1968)
    O Tesouro (1970)
    A Árvore (1985)

Teatro

    O Bojador (1ª ed. s/d, 2ª ed. 2000, Lisboa, Editorial Caminho)
    O Colar (2001, Lisboa, Editorial Caminho)
    O Azeiteiro(2000), Lisboa, Editorial Caminho
    Filho de Alma e Sangue(1998)Lisboa, Editorial Caminho
    Não chores minha Querida(1993)Lisboa, Editorial Caminho


A Hora da Partida

A hora da partida soa quando
Escurecem o jardim e o vento passa,
Estala o chão e as portas batem, quando
A noite cada nó em si deslaça. 
A hora da partida soa quando
As árvores parecem inspiradas
Como se tudo nelas germinasse. 

Soa quando no fundo dos espelhos
Me é estranha e longínqua a minha face
E de mim se desprende a minha vida. 


Cada dia é mais evidente que partimos

Cada dia é mais evidente que partimos
Sem nenhum possível regresso no que fomos,
Cada dia as horas se despem mais do alimento:
Não há saudades nem terror que baste.

Nunca mais

Nunca mais
Caminharás nos caminhos naturais. 
Nunca mais te poderás sentir
Invulnerável, real e densa -
Para sempre está perdido
O que mais do que tudo procuraste
A plenitude de cada presença. 

E será sempre o mesmo sonho, a mesma ausência. 

José Gomes Ferreira

  José Gomes Ferreira

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Escritor, poeta e ficcionista português, natural do Porto. Formou-se em Direito em 1924, tendo sido cônsul na Noruega entre 1925 e 1929. Após o seu regresso a Portugal, enveredou pela carreira jornalística. Foi colaborador de vários jornais e revistas, tais como a Presença, a Seara Nova e Gazeta Musical e de Todas as Artes. Esteve ligado ao grupo do Novo Cancioneiro, sendo geral o reconhecimento das afinidades entre a sua obra e o neo-realismo. José Gomes Ferreira foi um representante do artista social e politicamente empenhado, nas suas reacções e revoltas face aos problemas e injustiças do mundo. Mas a sua poética acusa influências tão variadas quanto a do empenhamento neo-realista, o visionarismo surrealista ou o saudosismo, numa dialéctica constante entre a irrealidade e a realidade, entre as suas tendências individualistas e a necessidade de partilhar o sofrimento dos outros.

Da sua obra poética destacam-se, para além do volume de estreia, Lírios do Monte (1918), Poesia, Poesia II e Poesia III (1948, 1950 e 1961, respectivamente), recebendo este último o Grande Prémio de Poesia da Sociedade Portuguesa de Escritores. A sua obra poética foi reunida em 1977-1978, em Poeta Militante. O seu pendor jornalístico reflecte-se nos volumes de crónicas O Mundo dos Outros (1950) e O Irreal Quotidiano (1971). No campo da ficção escreveu O Mundo Desabitado (1960), Aventuras de João Sem Medo (1963), Imitação dos Dias (1966), Tempo Escandinavo (1969) e O Enigma da Árvore Enamorada (1980). O seu livro de reflexões e memórias A Memória das Palavras (1965) recebeu o Prémio da Casa da Imprensa. É ainda autor de ensaios sobre literatura, tendo organizado, com Carlos de Oliveira, a antologia Contos Tradicionais Portugueses (1958).
Em Junho de 2000, foi lançada no porto a colectânea Recomeço Límpido, que inclui versos e prosas de dezenas de autores em homenagem a José Gomes Ferreira.

CHOVE!

Chove...

Mas isso que importa!,
se estou aqui abrigado nesta porta
a ouvir a chuva que cai do céu
uma melodia de silêncio
que ninguém mais ouve
senão eu?

Chove...

Mas é do destino
de quem ama
ouvir um violino
até na lama.


Porque é que este sonho absurdo
a que chamam realidade
não me obedece como os outros
que trago na cabeça?

Eis a grande raiva!
Misturem-na com rosas
e chamem-lhe vida.


Vai-te, Poesia!

Deixa-me ver a vida
exacta e intolerável
neste planeta feito de carne humana a chorar
onde um anjo me arrasta todas as noites para casa pelos cabelos
com bandeiras de lume nos olhos,
para fabricar sonhos
carregados de dinamite de lágrimas.

Vai-te, Poesia!

Não quero cantar.
Quero gritar!


Devia morrer-se de outra maneira.
Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em nuvens.
Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol
a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos
os amigos mais íntimos com um cartão de convite
para o ritual do Grande Desfazer: "Fulano de tal comunica
a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje
às 9 horas. Traje de passeio".
E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos
escuros, olhos de lua de cerimônia, viríamos todos assistir
a despedida.
Apertos de mãos quentes. Ternura de calafrio.
"Adeus! Adeus!"
E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento,
numa lassidão de arrancar raízes...
(primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos... )
a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se
em fumo... tão leve... tão sutil... tão pòlen...
como aquela nuvem além (vêem?) — nesta tarde de outono
ainda tocada por um vento de lábios azuis...


Choro!

Ninguém vê as minhas lágrimas, mas choro
as crianças violadas
nos muros da noite
úmidos de carne lívida
onde as rosas se desgrenham
para os cabelos dos charcos.

Ninguém vê as minhas lágrimas, mas choro
diante desta mulher que ri
com um sol de soluços na boca
— no exílio dos Rumos Decepados.

Ninguém vê as minhas lágrimas, mas choro
este seqüestro de ir buscar cadáveres
ao peso dos poços
— onde já nem sequer há lodo
para as estrelas descerem
arrependidas de céu.

Ninguém vê as minhas lágrimas, mas choro
a coragem do último sorriso
para o rosto bem-amado
naquela Noite dos Muros a erguerem-se nos olhos
com as mãos ainda à procura do eterno
na carne de despir,
suada de ilusão.

Ninguém vê as minhas lágrimas, mas choro
todas as humilhações das mulheres de joelhos nos tapetes da súplica
todos os vagabundos caídos ao luar onde o sol para atirar camélias
todas as prostitutas esbofeteadas pelos esqueleto de repente dos espelhos
todas as horas-da-morte nos casebres em que as aranhas tecem vestidos para o sopro do
silêncio
todas as crianças com cães batidos no crispar das bocas sujas
de miséria...

Ninguém vê as minhas lágrimas, mas choro...

Mas não por mim, ouviram?
Eu não preciso de lágrimas!
Eu não quero lágrimas!

Levanto-me e proíbo as estrelas de fingir que choram por mim!

Deixem-me para aqui, seco,
senhor de insônias e de cardos,
neste òdio enternecido
de chorar em segredo pelos outros
à espera daquele Dia
em que o meu coração
estoire de amor a Terra
com as lágrimas públicas de pedra incendiada
a correrem-me nas faces
— num arrepio de Primavera
e de Catástrofe!


Agora, apodrecer.
Nas ruas, no suor das mãos amigas dos amigos, na pele dos espelhos...
desespero sorrido, carne de sonho público, montras enfeitadas de olhos...

...mas apodrecer.

Bolor a fingir de lua, árvores esquecidas do princípio do mundo...
"como estás, estás bem?", o telefone não toca! devorador de astros...

... mas apodrecer.

Sim, apodrecer
de pé e mecânico,
a rolar pelo mundo
nesta bola de vidro,
já sem olhos para aguçar peitos
e o sol a nascer todos os dias
no emprego burocrático de dar razão aos relògios,
cada vez mais necessários para as certidões da morte exata,

Sim, apodrecer ...

"...as mãos, a còlera, o frio, as pálpebras, o cabelo
a morte, as bandeiras, as lágrimas, a república, o sexo...

... mas apodrecer!

Sujar estrelas.


Viver sempre também cansa

As paisagens não se transformam
Não cai neve vermelha
Não há flores que voem,
A lua não tem olhos
Niguém vai pintar olhos à lua
Tudo é igual, mecanico e exacto
Ainda por cima os homens são os homens
Soluçam, bebem riem e digerem
sem imaginação.

E há bairros miseráveis sempre os mesmos
discursos do cavaco, guterres e carvalhas
guerras, orgulhos em transe
automóveis de corrida...

E obrigam-me a viver até à morte!

Pois não era mais humano
Morrer por um bocadinho
De vez em quando
E recomeçar depois
Achando tudo mais novo?

Ah! Se eu podesse suicidar-me por seis meses
Morre em cima dum divã
Com a cabeça sobre uma almofada
Confiante e sereno por saber
Que tu velavas, meu amor do norte.

Quando viessem perguntar por mim
Havias de dizer com teu sorriso
Onde arde um coração em melodia
Matou-se esta manhã
Agora não o vou ressuscitar
Por uma bagatela

José Gomes Ferreira

Quero voar
-mas saem da lama
garras de chão
que me prendem os tornozelos.

Quero morrer
-mas descem das nuvens
braços de angústia
que me seguram pelos cabelos.

E assim suspenso
no clamor da tempestade
como um saco de problemas
-tapo os olhos com as lágrimas
para não ver as algemas...

(Mas qualquer balouçar ao vento me parece Liberdade.)


Entrei no café com um rio na algibeira
e pu-lo no chão,
a vê-lo correr
da imaginação...

A seguir, tirei do bolso do colete
nuvens e estrelas
e estendi um tapete
de flores
a concebê-las.

Depois, encostado à mesa,
tirei da boca um pássaro a cantar
e enfeitei com ele a Natureza
das árvores em torno
a cheirarem ao luar
que eu imagino.

E agora aqui estou a ouvir
A melodia sem contorno
Deste acaso de existir
-onde só procuro a Beleza
para me iludir
dum destino. 

José Jorge Letria

José Jorge Letria
 

Poeta, dramaturgo, ficcionista e ensaísta português nascido a 8 de junho de 1951, em Cascais. Dedicou-se desde muito cedo ao jornalismo, tendo trabalhado como também guionista e autor de programas de televisão. Foi membro da Direção da Sociedade Portuguesa de Autores e vereador da Cultura na Câmara Municipal de Cascais.
Colaborou em várias publicações - das quais se destacam, entre outras, Colóquio/Letras, Hífen, Vértice, Boca Bilíngue, Palimpsesto e Plural - tendo desempenhado, por exemplo, funções de subchefe de redação do Jornal de Letras ou de correspondente em Portugal de Delibros (Espanha).
O nome de José Jorge Letria está ligado, na criação poética e no ensaio, à canção de intervenção, tendo estado envolvido, por essa via, ao lado de José Afonso ou de Ary dos Santos, no processo revolucionário que conduziu ao 25 de abril. Embora nesse momento a arte poética exigida pelas circunstâncias históricas acentuasse a exaltação e o combate, a sua obra afirmava um investimento em imagens e metáforas e uma vocação para o trabalho da língua (patente desde logo nos jogos de palavras de que parte muitas das vezes para a construção dos títulos das obras poéticas) que viriam a caracterizar as publicações seguintes.
Da sua obra literária, largamente premiada, destaca-se a poesia, que se encontra em grande parte compilada em O Fantasma da Obra (1973-1993), de 1993.
No ano de 2001, em Barcelona, foi-lhe entregue o Prémio Aula de Poesia. Seis anos depois, foi o primeiro escritor a ser galardoado com o Prémio de Poesia Nuno Júdice, instituído em Aveiro.
 

Biografia literária

Uma das obras mais comoventes do autor foi "Coração sem abrigo".

O essencial da sua obra poética encontra-se condensado nos dois volumes da antologia "O Fantasma da Obra", publicados respectivamente em 1994 e em 2003, ano em que completou três décadas de actividade literária em livro, e foi objecto de uma dissertação de Mestrado apresentada em 2003 na Universidade Aberta pela Drª Fátima Azóia.

O seu livro para crianças "O Homem que Tinha uma Árvore na Cabeça"… integrou, em 2002, a lista "Books and Reading for Intercultural Education", da União Europeia.

Autor de quase duas centenas de títulos publicados em cerca de cinquenta editoras diferentes, metade dos quais na área literatura infanto-juvenil, a sua obra para a infância foi o tema da dissertação de Mestrado da Drª Maria Teresa Macedo, na Universidade do Minho.

Sobre a sua experiência na madrugada do 25 de abril publicou, em 1999, o livro "Uma Noite Fez-se Abril".

Foi autor do ensaio "O Terrorismo e os Media - O Tempo de Antena do Terror".

Tem livros traduzidos em várias línguas (castelhano, francês, inglês, italiano, coreano, japonês, russo, búlgaro, romeno, húngaro e checo).

Está representado em numerosas antologias poéticas em Portugal e no estrangeiro, designadamente em França, onde o seu livro "Um Amor Português", com tradução de Séverine Rosset, foi publicado com a chancela das Edições Albin Michel.

A sua obra literária foi distinguida, até à data, com inúmeros prémios.

Como escritor distingue-se na poesia, no conto, no teatro e, sobretudo, na literatura para a infância e juventude.

TÍTULOS RECENTES DO AUTOR

Para Crianças e Jovens:

"A Minha Primeira República", Dom Quixote, ilustrações de Afonso Cruz, 2009

"Henriqueta, a Tartaruga de Darwin", Texto/Leya, ilustrações de Afonso Cruz, 2009

"Galileu à Luz de uma Estrela", Texto/Leya, ilustrações de Afonso Cruz, 2009

"O Dia em que o Homem Beijou a Lua", Portugália, ilustrações de Carla Nazareth, 2009

"A Alfabeto dos Países", Oficina do Livro, Ilustrações de Afonso Cruz, 2009

"Era Uma Vez um Rei Conquistador", Oficina do Livro, ilustrações de Afonso Cruz, 2009

"Machado dos Santos-Herói da Rotunda", Texto/Leya, ilustrações de Afonso Cruz, 2010

Para Adultos:

"Meu Portugal Brasileiro", Oficina do Livro, 2008

"O Que Darwin Escreveu a Deus", Oficina do Livro, 2009

"Coração Sem Abrigo", Oficina do Livro, 2009

"A Última Valsa de Chopin", Oficina do Livro, 2010

"O Vermelho e o Verde", sobre a implantação da República, ed. Planeta, 2010

Herberto Hélder

Herberto Hélder


NomeHerberto Hélder de Oliveira





Principais trabalhos Os Passos em Volta; A Colher na Boca; Photomaton & Vox; Ou o Poema Contínuo      

Herberto Hélder de Oliveira (Funchal, São Pedro, 23 de Novembro de 1930) é um poeta português de ascendência judaica.[1]
Família

Filho de Romano Carlos de Oliveira (Funchal, Monte, baptizado a 26 de Novembro de 1895) e de Maria Ester dos Anjos Luís Bernardes (c. 1900 - 1938), tem duas irmãs Maria Regina e Maria Elora.
Biografia

Frequentou a Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, tendo trabalhado em Lisboa como jornalista, bibliotecário, tradutor e apresentador de programas de rádio. Viajou por diversos países da Europa realizando trabalhos corriqueiros, sem nenhuma relação com a literatura e foi redactor da revista Notícia em Luanda, Angola, em 1971, onde sofreu um acidente grave.

É considerado um dos mais originais poetas vivos de língua portuguesa. É uma figura misantropa, e em torno de si paira uma atmosfera algo misteriosa uma vez que recusa prémios e se nega a dar entrevistas. Em 1994 foi o vencedor do Prémio Pessoa, que recusou.

A sua escrita começou por se situar no âmbito de um surrealismo tardio. Em 1964 organizou com António Aragão o "1º caderno antológico de Poesia Experimental" (Cadernos de Hoje, MONDAR editores), marco histórico da poesia portuguesa (Ver: Poesia Experimental Portuguesa). Escreveu entretanto "Os Passos em Volta", um livro que através de vários contos, sugere as viagens deambulatórias de uma personagem por entre cidades e quotidianos, colocando ao mesmo tempo incertezas acerca da identidade própria de cada ser humano (ficção); "Photomaton e Vox", é uma colectânea de ensaios e textos e também de vários poemas. "Poesia Toda" é o título de uma antologia pessoal dos seus livros de poesia que tem sido depurada ao longo dos anos. Na edição de 2004 foram retiradas da recolha suas traduções. Alguns dos seus livros desapareceram das mais recentes edições da Poesia Toda, rebatizada Ofício Cantante, nomeadamente Vocação Animal e Cobra.

A crítica literária aproxima sua linguagem poética do universo da Alquimia, da mística, da Mitologia edipiana e da Imago da Mãe.
Obra:

Poesia:

    Poesia – O Amor em Visita (1958)
    A Colher na Boca (1961)
    Poemacto (1961)
    Retrato em Movimento (1967)
    O Bebedor Nocturno (1968)
    Vocação Animal (1971)
    Cobra & etc. (1977)
    O Corpo o Luxo a Obra (1978)
    Photomaton & Vox (1979)
    Flash (1980)
    A Cabeça entre as Mãos (1982)
    As Magias (1987)
    Última Ciência (1988)
    Do Mundo, (1994)
    Poesia Toda (1º vol. de 1953 a 1966; 2º vol. de 1963 a 1971) (1973)
    Poesia Toda (1ª ed. em 1981)
    A Faca Não Corta o Fogo - Súmula & Inédita (2008)
    Ofício Cantante (2009)

Ficção

    Os Passos em Volta (1963)
    Apresentação do Rosto (1968).
    A Faca Não Corta o Fogo(2008).

Casamento e descendência:

Casou duas vezes, com Maria Ludovina Dourado Pimentel, de quem tem uma filha Gisela Ester Pimentel de Oliveira, por casamento Lopes da Conceição, e com Olga da Conceição Ferreira Lima. De Isabel Figueiredo é pai do jornalista Daniel Oliveira.

Referências:

    Universidade Nova de Lisboa

Jorge de Sena

Jorge de Sena


Nome completo Jorge Cândido de Sena
 




Jorge Cândido de Sena (Lisboa, 2 de Novembro de 1919 — Santa Barbara, Califórnia, 4 de Junho de 1978) foi poeta, crítico, ensaísta, ficcionista, dramaturgo, tradutor e professor universitário português.

Biografia
Primeiros anos

Filho único de Augusto Raposo de Sena, natural de Ponta Delgada e comandante da marinha mercante, e de Maria da Luz Teles Grilo de Sena, natural da Covilhã e dona-de-casa. Ambas as famílias eram da alta burguesia, a paterna de suposta linhagem aristocrática de militares e altos funcionários, e a materna de comerciantes ricos do Porto. Segundo relata no seu conto Homenagem ao Papagaio Verde, teve uma infância recolhida, solitária e infeliz, o que fez com se tornasse introspectivo, observador e imaginativo.

Fez a instrução primária e os primeiros anos do liceu no Colégio Vasco da Gama. Concluiu os estudos secundários no Liceu Camões, onde foi aluno de Rómulo de Carvalho. Era um jovem que lia avidamente, tocava piano e escrevia poemas. Na Faculdade de Ciências de Lisboa, fez os exames preparatórios com as notas mais elevadas.
Na Escola Naval

Sena nutria a ideia algo romântica de se tornar oficial da marinha, seguindo as pisadas do pai. Em 1937, aos 17 anos, entrou para a Escola Naval como 1º do seu curso. A 2 de Outubro de 1937, iniciou a sua viagem de instrução a bordo do navio-escola Sagres. Visitou os portos de S. Vicente, Santos, Lobito, Luanda, S. Tomé e Dakar, chegando a Lisboa no final de Fevereiro de 1938. O contacto com a imensidão do oceano, a azáfama da vida a bordo e o movimento e mudança constantes agradaram ao jovem Sena, mas nem tudo correu bem. Segundo o relato de um antigo camarada de curso, naquele ano a viagem de instrução foi excepcional e particularmente dura e exigente em termos de preparação e destreza física, copiando o modelo da marinha alemã. Na parte teórica do curso Sena era brilhante, mas em termos atléticos era medíocre e apesar dos muitos esforços que fez não conseguiu satisfazer as elevadas expectativas do comandante do curso, que parecia nutrir um ódio de estimação pelo cadete contemplativo e intelectual. No final da viagem, foi comunicado a Sena que iria ser proposta a sua exclusão da Marinha por lhe faltarem as "necessárias qualidades" para oficial. Sena ficou profundamente frustrado e desgostoso com esta rejeição e o seu afastamento definitivo de um modo de vida que tanto almejava.
Engenharia civil, casamento e primeiras obras

Apesar da sua inclinação natural para a literatura, o sobredotado Sena decidiu frequentar o curso de Engenharia Civil, iniciando-o em Lisboa e concluindo-o no Porto, em 1944, com a ajuda financeira dos seus amigos Ruy Cinatti e José Blanc de Portugal. O curso pouco o entusiasmou, mas durante todo esse tempo escreveu bastantes poemas, artigos, ensaios e cartas. Desde os 16 anos que escrevia e em 1940, sob o pseudónimo de Teles de Abreu, publicou os seus primeiros poemas na revista Cadernos de Poesia, dirigida por Cinatti, Blanc de Portugal e Tomás Kim. Em 1942, publica o seu primeiro livro de poemas, Perseguição, que não impressiona muito o seu amigo e crítico João Gaspar Simões e Adolfo Casais Monteiro considera-o um livro revelador mas difícil.

Em 1947, Sena inicia a sua carreira de engenheiro, que durou 14 anos. Trabalhou como engenheiro civil na Câmara Municipal de Lisboa, na Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização e na Junta Autónoma das Estradas (JAE), onde permanecerá até ao seu exílio para o Brasil em 1959.

Em 1940, no Porto, Jorge de Sena conhece e torna-se amigo de Maria Mécia de Freitas Lopes (irmã do crítico e historiador literário Óscar Lopes), começando a namorar em 1944 e casando-se em 1949. Jorge de Sena e Mécia de Sena tiveram nove filhos. Mecia, sua incansável companheira e enérgica colaboradora, apoiando o escritor nas inúmeras crises que lhe surgiram ao longo de uma vida por vezes atribulada.

Trabalhava incansavelmente, para sustentar a crescente família. Além do seu absorvente trabalho diurno na JAE (que lhe possibilitou viajar e conhecer o Portugal profundo), Sena também se dedicava à direcção literária em editoras, à tradução e revisão de textos, ocupações que lhe roubavam precioso tempo para a investigação literária e a para a sua obra. A banalidade e a pequenez do quotidiano no Portugal de Salazar das décadas de 1940 e 1950 atormentam-no, bem assim como a mediocridade, a mesquinhez e a intriga dos meios literários, a opressão política, a censura literária, resultando num ambiente de trabalho sufocante e absolutamente frustrante, mas que não deixam de o inspirar para o poema É tarde, muito tarde na noite…

Durante esses anos publica várias obras: O Dogma da Trindade Poética – Rimbaud (1942), Coroa da Terra, poesia (1946), Páginas de Doutrina Estética de Fernando Pessoa (organização), 1946, Florbela Espanca (1947), Pedra Filosofal poesia (1950), A Poesia de Camões (1951), etc.
Exílio no Brasil

A sua situação como escritor e cidadão estava a tornar-se insustentável. Como escritor, não tinha tempo livre para escrever, apenas o podia fazer de modo insuficiente e limitado à noite e aos domingos. Também o facto de não pertencer a nenhum círculo académico e a falta de apoio institucional lhe frustrava qualquer pretensão de poder vir a editar alguma obra mais ambiciosa. Por outro lado, a sua participação numa tentativa revolucionária abortada em 12 de Março de 1959, colocou-o em posição de prisão iminente, no caso muito provável de algum dos conspiradores presos pela PIDE denunciar os que ainda se encontravam livres.

Em Agosto de 1959, viajou até ao Brasil, convidado pela Universidade da Bahia e pelo Governo Brasileiro a participar no IV Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros. Tendo sido convidado como catedrático contratado de Teoria da Literatura, em Assis, no Estado de S. Paulo, aproveitou essa oportunidade e aceitou o lugar, iniciando assim o seu longo exílio. Ele faz amizade com o poeta Jaime Montestrela, que dedicou o seu livro Cidade de lama. Por motivos profissionais teve de adoptar a cidadania brasileira.

Não foi contudo um exílio libertador. Sentia saudades da pátria, apesar do rancor perene que nutria pela pequenez, mesquinhez e falta de reconhecimento nacionais que o atormentariam até ao final da vida.

Em 1961, Jorge de Sena foi ensinar Literatura Portuguesa na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara. Em 1964, depois de vencer alguns preconceitos académicos pelo facto de ser licenciado em Engenharia, Jorge de Sena defendeu a sua tese de doutoramento em Letras (Os Sonetos de Camões e o Soneto Quinhentista Peninsular), tendo obtido os títulos académicos "com distinção e louvor".

O período de seis anos que passou no Brasil foi muito produtivo. Finalmente, tinha toda a disponibilidade para se dedicar à sua obra com a devida profundidade e profissionalismo. Poesia, teatro, ficção, ensaísmo e investigação. Parte do romance Sinais de Fogo e a totalidade dos contos Novas Andanças do Demónio foram escritos neste período.
Nos EUA e últimos anos

A degradação da situação política no Brasil, com a instalação de uma ditadura militar a partir de Março de 1964, fez com que Jorge de Sena, mais do que nunca avesso a prepotências, aceitasse um convite para ensinar Literatura de Língua Portuguesa na Universidade de Wisconsin, para partir para os Estados Unidos da América em Outubro de 1965. Em 1967 foi nomeado catedrático do Departamento de Espanhol e Português da referida universidade.

De 1970 até 1978 foi catedrático efectivo de Literatura Comparada na Universidade da Califórnia, em Santa Barbara. Apesar da satisfação de ensinar e da amizade que os alunos lhe dedicavam, Sena não foi feliz. Queixava-se da "medonha solidão intelectual da América" onde não havia "convívio intelectual algum" e da esterilidade e espírito burguês do meio académico, que não se interessava pela sua obra.

Quando se deu o 25 de Abril Jorge de Sena ficou entusiasmado e queria regressar definitivamente a Portugal, ansioso de dar a sua colaboração para a construção da democracia. Sena visitou Portugal, contudo, nenhuma universidade ou instituição cultural portuguesa se dignou convidar o escritor para qualquer cargo que fosse, facto que muito o desiludiu e amargurou, decidindo continuar a viver nos Estados Unidos, onde tinha a sua carreira estabelecida.

Jorge de Sena morreu em 4 de Junho de 1978, aos 58 anos, de cancro. Em 11 de Setembro de 2009, os seus restos mortais foram trasladados de Santa Barbara, Califórnia, para o cemitério do Prazeres em Lisboa, depois de uma cerimónia de homenagem na Basílica da Estrela, com a presença de familiares, amigos e entidades oficiais.[1]
Obra

Foi, possivelmente, um dos maiores intelectuais portugueses do século XX. Tem uma vasta obra de ficção, drama, ensaio e poesia, além de vasta epistolografia com figuras tutelares da história e da literatura portuguesas. O seu espólio conta com uma enorme quantidade de inéditos em permanente fase de preparação e publicação, aos cuidados da viúva, Mécia de Sena.

A sua obra de ficção mais famosa é o romance autobiográfico Sinais de Fogo, adaptado ao cinema em 1995 por Luís Filipe Rocha.

Poesia

    Perseguição (1942)
    Coroa da Terra (1946)
    Pedra Filosofal (1950)
    As Evidências (1955)
    Fidelidade (1958)
    Metamorfoses (1963)
    Arte de Música (1968)
    Peregrinatio ad Loca Infecta (1969)
    Exorcismos (1972)
    Conheço o Sal e Outros Poemas (1974)
    Sobre Esta Praia (1977)
    Quarenta Anos de Servidão (1979, póstumo)
    Dedicácias (1980, póstumo)
    Sequências (1980, póstumo)
    Visão Perpétua (1982, póstumo)
    Post-Scriptum I (1985, póstumo)
    Post-Scriptum II (1985, póstumo)
    Poesia I (1977)
    Poesia II (1978)
    Poesia III (1978)

Ficção

    Andanças do Demónio (1960, contos)
    Novas Andanças do Demónio (1966, contos)
    Os Grão-Capitães (1976, contos)
    O Físico Prodigioso (1977, novela)
    Sinais de Fogo (1979, romance póstumo)
    Génesis (1983, póstumo)

Drama

    O Indesejado (1951)
    Ulisseia Adúltera (1952)
    O Banquete de Dionísos (1969)
    Epimeteu ou o Homem Que Pensava Depois (1971)

Ensaios

    Da Poesia Portuguesa (1959)
    O Poeta é um Fingidor (1961)
    O Reino da Estupidez (1961)
    Uma Canção de Camões (1966)
    Os Sonetos de Camões e o Soneto Quinhentista Peninsular (1969)
    A Estrutura de Os Lusíadas e Outros Estudos Camonianos e de Poesia Peninsular do Século XVI (1970)
    Maquiavel e Outros Estudos (1973)
    Dialécticas Aplicadas da Literatura (1978)
    Fernando Pessoa & Cia. Heterónima (1982, póstumo)

Correspondências com

    Guilherme de Castilho, INCM, 1981
    Mécia de Sena, INCM, 1982
    José Régio, INCM, 1986
    Vergílio Ferreira, INCM, 1987
    Taborda de Vasconcelos, ed. Autor, 1987
    Eduardo Lourenço, INCM, 1991
    Dante Moreira Leite, UNICAMP, 1996
    Sophia de Melo Breyner, Guerra & Paz, 2006
    José-Augusto França, INCM, 2007
    Raul Leal, Guerra & Paz, 2010
    Delfim Santos, Guerra & Paz, 2011
    Ramos Rosa, Guimarães, 2012

Prémios

Recebeu o Prémio Internacional de Poesia Etna-Taormina, pelo conjunto da sua obra poética, e foi condecorado com a Ordem do Infante D. Henrique, por serviços prestados à comunidade portuguesa. Recebeu, postumamente, a Grã-Cruz da Ordem de Sant'iago. Em 1980, foi inaugurado o Jorge de Sena Center for Portuguese Studies, na Universidade da Califórnia, em Santa Barbara.
O erotismo segundo Jorge de Sena

Para se compreender o espírito livre e independente de Jorge de Sena, são úteis os seguintes textos, extraídos da obra Máscaras de Salazar, de Fernando Dacosta:

[...] a mais completa liberdade [deve] ser garantida a todas as formas de amor e de contacto sexual. Nenhuma sociedade estará jamais segura, em qualquer parte, enquanto uma igreja, um partido ou um grupo de cidadãos hipersensíveis possa ter o direito de governar a vida privada de alguém. [Um dos] prazeres sexuais dos seres humanos tem sido o de reprimir a sexualidade, a própria e a dos outros. Defendo todas as formas de prostituição, como profissão protegida pela lei e vigiada pela saúde pública. Ainda que isso possa chocar muita gente, parece que, desde sempre, houve machos e fêmeas cujo talento na vida, e cuja vocação definida, é emprestarem o próprio corpo. E quem se vende ou quem compra (o que não tem nada a ver com capitalismo, mas com o direito de qualquer pessoa a dispor de si mesma, em acordo com outra) deve ter a protecção da lei contra redes de exploração, chantagens, etc. O que duas pessoas (ou um grupo delas) fazem uma com a outra, fora das vistas dos demais, não diz respeito a esses demais, a não ser que eles vivam na observação mórbida de imaginarem (num misto de horror e curiosidade, que os torna moralistas raivosos) o que os outros fazem. E o que os outros fazem não altera em nada o equilíbrio social. [A pornografia pode ser] um prazer para muita gente e, às vezes, o único que lhes é concedido, pois as pessoas idosas, solitárias, não atractivas, não encontram nunca o chinelo velho para o seu pé doente. Uma prostituição oficializada é obra de caridade para com os feios e os tímidos. [Porque hão-de ser] só os ricos e os de maiores posses a terem acesso à pornografia, e não os pobres? As classes mais desprotegidas deviam ter a sua pornografia mais barata, subsidiada pelo Governo, se o Governo fosse ao mesmo tempo inteligente e progressista nestas matérias. Somos um país imoral, um país depravado às ocultas. Foi isso, no entanto, que nos salvou de mergulhar nas sombras horrendas do puritanismo. Puritanismo que não é parte da nossa herança cultural. Mil vezes a pornografia do que a castração, a prostituição do que a hipocrisia. Se alguma coisa há que deve ser sagrada, é o prazer sexual entre pessoas mutuamente concordantes em dá-lo e recebê-lo, ou negociá-lo. [Os adolescentes e as crianças sempre souberam] muito mais do que os adultos fingem que eles sabem. Raros terão sido os jovens seduzidos na sua inocência. Na maior parte dos casos, o contrário é que é verdade. Se alguma coisa há que deva ser sagrada, é o prazer sexual entre pessoas concordantes em usufruí-lo e partilhá-lo.

Referências

 Parte da informação biográfica coligida a partir de Jorge de Sena por Eugénio Lisboa, Editorial Presença, Lisboa, s/d.

A Poesia Contemporanea Portuguesa

A Poesia Contemporanea Portuguesa:
 


A literatura e a poesia, principalmente esta última, foram das poucas artes que evoluíram durante a ditadura, através de um recôndido movimento ao qual hoje se dá o nome de Poesia de intervenção. Não tendo liberdade de expressão, os escritores e poetas tiveram que construir novas e originais formas de fazer literatura ou poesia. De forma retundante, os autores abordavam temas proibidos e «ameaçados» pelo célebre lápis-azul, concedendo ao século XX um dos mais marcantes movimentos contemporâneos: a Poesia de intervenção.

Oficialmente, ainda não é tido, mesmo assim, como um movimento artístico literátrio. Esquecem-se os sonetos, esquecem-se as rimas «de trazer no bolso», esquecem-se as sílabas métricas, na literatura e na poesia, ganha forma um movimento completamente inovador e permissível que desrespeita e rompe com todos os conceitos.

Zeca Afonso, com o seu olhar misterioso e a sua criatividade genial, Manuel Alegre, embalado numa eterna «nau de verde pinho» fez frente ao governo ditatorial, e Ary dos Santos, o grande ícone do vício e da boémia das ruelas bairristas lisboetas e teórico impiedoso, foram dos que mais marcaram.

Alexandre O'Neill também é um nome de referência na poesia contemporânea potuguesa. O Adeus Português e Há Palavras que nos Beijam marcam a fundo a poesia portuguesa. Mariza, já no século XXI, dá voz a este último poema, levando-o pelo mundo, nos seus espectáculos. Cantou-o no Carnaggie Hall, em Nova Iorque, no Royal Albert Hall, em Londres, e na Ópera de Sydney, em Sydney, e em muitos outros lugares pelo mundo fora. A sua poesia conserva o desgosto que os seus amores, que o mundo, lhe trazem.
Sophia de Mello Breyner.

Pedro Homem de Melo surge como outro dos grandes, mesmo que esquecido pela actualidade. Foi ele quem escreveu Povo que lavas no rio, interpretado por Amália Rodrigues. A sua escrita, inovadora mas tradicionalista e folclorista, apoiava os costumes, a moral, e o regime. Oriundo de famílias aristocráticas, apoiantes do regime salazarista, Homem de Melo apoiou com a sua poesia o governo e, talvez por isso, tenha sido mutuamente esquecido, mesmo tendo uma produção riquíssima e de importância notável.

Eugénio de Andrade e António Gedeão, dois dos maiores génios da poesia contemporânea. O primeiro custou a entrar no restrito círculo literário de vanguarda; a sua poesia pouco aceite, aparentemente sem nexo, o seu génio ainda inerte aos olhos da sociedade intelectual. Nos anos setenta, com a ostentação do regime liberal democrático, a sua genialidade é redescoberta e Eugénio de Andrade foi galardoado com o Prémio Camões.

Sophia de Mello Breyner, outra autora a ser distinguida, em 1999, com o Prémio Camões, torna-se na mais famosa poetisa do século XX, a par de Florbela Espanca, do modernismo literário. Escreveu também vários contos para crianças, leccionados actualmente nas escolas primárias portuguesas, como A fada Oriana. O seu génio criativo é perturbante e impetuoso, os seus enredos memoráveis e ostentam a sua proeminente imaginação.

António Gedeão é mais um dos criativos poetas de intervenção, autor da sempre célebre Pedra Filosofal. David Mourão-Ferreira, Fiama Hasse Pais Brandão, Ruy Belo, entre outros, também entram no restrito mote elitista de escritores contemporâneos de Portugal.

João Apolinário, também ligado à poesia de intervenção, surge no panorama literário português e brasileiro, com importantes e valorosas contribuições para a cultura dos dois países. A sua obra é palco de um intercâmbio notável entre as culturas brasileira e portuguesa, adaptando-as mutuamente. Foi também um distinto jornalista, em São Paulo.

No panorama literário emergem Maria Aliete Galhoz, Agustina Bessa-Luís, José Régio, Maria Velho da Costa, Miguel Torga, também emergente no âmbito da poesia, António Lobo Antunes. Miguel Torga, explorando a poesia e a prosa, criou a sua própria revolução, uma «revolução rural», já que vivamente retrata o panorama rural com que convivia ele e Portugal.

Deputada à Assembleia da República, Natália Correia defendeu constantemente o património açoriano cultural e histórico, tornando-se num dos principais vultos da literatura e da poesia portuguesas contemporâneas.

Impossível não referir José Saramago, o «grande» da literatura portuguesa, e o único autor português a vencer o Nobel de Literatura, devido ao incorruptível e memorável Memorial do convento.

Lídia Jorge, com vários romances que se tornaram sucessos, como a Costa dos Murmúrios, adaptado para cinema, encontra-se na elite da literatura da actualidade. Os seus livros revelam numerosos os «segredos» do Algarve, região onde nasceu e foi humildemente criada a autora. A sua obra é também palco de uma enorme sensibilidade feminina.

Ana Maria Magalhães, Isabel Alçada e Alice Vieira ajudaram na renovação da literatura, adaptando-a, juntamente com a História, para os adolescentes. As duas primeiras, escrevendo em parceria a colecção Uma Aventura, já contam com mais de um milhão de livros vendidos.

Emergente no âmbito da poesia, surge Joel Lira, um seixalense distinto pela sua fértil e ambiciosa imaginação. Sombras do meu Sentir é o seu mais conhecido livro, levando o leitor para um abismo entre a tristeza e a alegria do sujeito lírico.
 O que será destacado neste blog:

A poesia contemporânea de Portugal e seus novos nomes como Luís Veiga Leitão, Maria Teresa Horta, Miguel Torga, Glória Cavalcanti, José Pacheco Pereira, Luíza Neto Jorge, Eugênio de Andrade, Mário Cesariny, Natália Correia, Antônio Maria de Lisboa, Jorge de Sena…
Para o eventual transeunte um pouco da poesia portuguesa atual:


EUGÊNIO DE ANDRADE
CANÇÃO
Hoje venho dizer-te que nevou  no rosto familiar que te esperava.
Não é nada, meu amor, foi um pássaro,
a casca do tempo que caiu,
uma lágrima, um barco, uma palavra.
Foi apenas mais um dia que passou
entre arcos e arcos de solidão;
a curva dos teus olhos que se fechou,
uma gota de orvalho, uma só gota,
secretamente morta na tua mão.


MIGUEL TORGA
SÚPLICA
Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.
Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria…
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.

NATÁLIA CORREIA
 O POEMA
O poema não é o canto
que do grilo para a rosa cresce.
O poema é o grilo
é a rosa
e é aquilo que cresce.
É o pensamento que exclui
uma determinação
na fonte donde ele flui
e naquilo que descreve.
O poema é o que no homem
para lá do homem se atreve.
Os acontecimentos são pedras
e a poesia transcendê-las
na já longínqua noção
de descrevê-las.
E essa própria noção é só
uma saudade que se desvanece
na poesia. Pura intenção
de cantar o que não conhece.
ANTÔNIO OSÓRIO
AMO OS TEUS DEFEITOS
Amo os teus defeitos, e tantos
eram, as tuas faltas para comigo
e as minhas; essa ênfase
de rechaçar por timidez; solidão
de fazer trepadeiras, agasalhos
para velhos, depois para netos;
indulgência de plantar e ver
o crescimento da oliveira do paraíso,
carregada de flores persistentemente
caducas; essa autoridade, irremediável
desafio; e a astúcia
de termos ambos quase a mesma cara.