terça-feira, 26 de março de 2013

A Poesia Contemporanea Portuguesa

A Poesia Contemporanea Portuguesa:
 


A literatura e a poesia, principalmente esta última, foram das poucas artes que evoluíram durante a ditadura, através de um recôndido movimento ao qual hoje se dá o nome de Poesia de intervenção. Não tendo liberdade de expressão, os escritores e poetas tiveram que construir novas e originais formas de fazer literatura ou poesia. De forma retundante, os autores abordavam temas proibidos e «ameaçados» pelo célebre lápis-azul, concedendo ao século XX um dos mais marcantes movimentos contemporâneos: a Poesia de intervenção.

Oficialmente, ainda não é tido, mesmo assim, como um movimento artístico literátrio. Esquecem-se os sonetos, esquecem-se as rimas «de trazer no bolso», esquecem-se as sílabas métricas, na literatura e na poesia, ganha forma um movimento completamente inovador e permissível que desrespeita e rompe com todos os conceitos.

Zeca Afonso, com o seu olhar misterioso e a sua criatividade genial, Manuel Alegre, embalado numa eterna «nau de verde pinho» fez frente ao governo ditatorial, e Ary dos Santos, o grande ícone do vício e da boémia das ruelas bairristas lisboetas e teórico impiedoso, foram dos que mais marcaram.

Alexandre O'Neill também é um nome de referência na poesia contemporânea potuguesa. O Adeus Português e Há Palavras que nos Beijam marcam a fundo a poesia portuguesa. Mariza, já no século XXI, dá voz a este último poema, levando-o pelo mundo, nos seus espectáculos. Cantou-o no Carnaggie Hall, em Nova Iorque, no Royal Albert Hall, em Londres, e na Ópera de Sydney, em Sydney, e em muitos outros lugares pelo mundo fora. A sua poesia conserva o desgosto que os seus amores, que o mundo, lhe trazem.
Sophia de Mello Breyner.

Pedro Homem de Melo surge como outro dos grandes, mesmo que esquecido pela actualidade. Foi ele quem escreveu Povo que lavas no rio, interpretado por Amália Rodrigues. A sua escrita, inovadora mas tradicionalista e folclorista, apoiava os costumes, a moral, e o regime. Oriundo de famílias aristocráticas, apoiantes do regime salazarista, Homem de Melo apoiou com a sua poesia o governo e, talvez por isso, tenha sido mutuamente esquecido, mesmo tendo uma produção riquíssima e de importância notável.

Eugénio de Andrade e António Gedeão, dois dos maiores génios da poesia contemporânea. O primeiro custou a entrar no restrito círculo literário de vanguarda; a sua poesia pouco aceite, aparentemente sem nexo, o seu génio ainda inerte aos olhos da sociedade intelectual. Nos anos setenta, com a ostentação do regime liberal democrático, a sua genialidade é redescoberta e Eugénio de Andrade foi galardoado com o Prémio Camões.

Sophia de Mello Breyner, outra autora a ser distinguida, em 1999, com o Prémio Camões, torna-se na mais famosa poetisa do século XX, a par de Florbela Espanca, do modernismo literário. Escreveu também vários contos para crianças, leccionados actualmente nas escolas primárias portuguesas, como A fada Oriana. O seu génio criativo é perturbante e impetuoso, os seus enredos memoráveis e ostentam a sua proeminente imaginação.

António Gedeão é mais um dos criativos poetas de intervenção, autor da sempre célebre Pedra Filosofal. David Mourão-Ferreira, Fiama Hasse Pais Brandão, Ruy Belo, entre outros, também entram no restrito mote elitista de escritores contemporâneos de Portugal.

João Apolinário, também ligado à poesia de intervenção, surge no panorama literário português e brasileiro, com importantes e valorosas contribuições para a cultura dos dois países. A sua obra é palco de um intercâmbio notável entre as culturas brasileira e portuguesa, adaptando-as mutuamente. Foi também um distinto jornalista, em São Paulo.

No panorama literário emergem Maria Aliete Galhoz, Agustina Bessa-Luís, José Régio, Maria Velho da Costa, Miguel Torga, também emergente no âmbito da poesia, António Lobo Antunes. Miguel Torga, explorando a poesia e a prosa, criou a sua própria revolução, uma «revolução rural», já que vivamente retrata o panorama rural com que convivia ele e Portugal.

Deputada à Assembleia da República, Natália Correia defendeu constantemente o património açoriano cultural e histórico, tornando-se num dos principais vultos da literatura e da poesia portuguesas contemporâneas.

Impossível não referir José Saramago, o «grande» da literatura portuguesa, e o único autor português a vencer o Nobel de Literatura, devido ao incorruptível e memorável Memorial do convento.

Lídia Jorge, com vários romances que se tornaram sucessos, como a Costa dos Murmúrios, adaptado para cinema, encontra-se na elite da literatura da actualidade. Os seus livros revelam numerosos os «segredos» do Algarve, região onde nasceu e foi humildemente criada a autora. A sua obra é também palco de uma enorme sensibilidade feminina.

Ana Maria Magalhães, Isabel Alçada e Alice Vieira ajudaram na renovação da literatura, adaptando-a, juntamente com a História, para os adolescentes. As duas primeiras, escrevendo em parceria a colecção Uma Aventura, já contam com mais de um milhão de livros vendidos.

Emergente no âmbito da poesia, surge Joel Lira, um seixalense distinto pela sua fértil e ambiciosa imaginação. Sombras do meu Sentir é o seu mais conhecido livro, levando o leitor para um abismo entre a tristeza e a alegria do sujeito lírico.
 O que será destacado neste blog:

A poesia contemporânea de Portugal e seus novos nomes como Luís Veiga Leitão, Maria Teresa Horta, Miguel Torga, Glória Cavalcanti, José Pacheco Pereira, Luíza Neto Jorge, Eugênio de Andrade, Mário Cesariny, Natália Correia, Antônio Maria de Lisboa, Jorge de Sena…
Para o eventual transeunte um pouco da poesia portuguesa atual:


EUGÊNIO DE ANDRADE
CANÇÃO
Hoje venho dizer-te que nevou  no rosto familiar que te esperava.
Não é nada, meu amor, foi um pássaro,
a casca do tempo que caiu,
uma lágrima, um barco, uma palavra.
Foi apenas mais um dia que passou
entre arcos e arcos de solidão;
a curva dos teus olhos que se fechou,
uma gota de orvalho, uma só gota,
secretamente morta na tua mão.


MIGUEL TORGA
SÚPLICA
Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.
Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria…
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.

NATÁLIA CORREIA
 O POEMA
O poema não é o canto
que do grilo para a rosa cresce.
O poema é o grilo
é a rosa
e é aquilo que cresce.
É o pensamento que exclui
uma determinação
na fonte donde ele flui
e naquilo que descreve.
O poema é o que no homem
para lá do homem se atreve.
Os acontecimentos são pedras
e a poesia transcendê-las
na já longínqua noção
de descrevê-las.
E essa própria noção é só
uma saudade que se desvanece
na poesia. Pura intenção
de cantar o que não conhece.
ANTÔNIO OSÓRIO
AMO OS TEUS DEFEITOS
Amo os teus defeitos, e tantos
eram, as tuas faltas para comigo
e as minhas; essa ênfase
de rechaçar por timidez; solidão
de fazer trepadeiras, agasalhos
para velhos, depois para netos;
indulgência de plantar e ver
o crescimento da oliveira do paraíso,
carregada de flores persistentemente
caducas; essa autoridade, irremediável
desafio; e a astúcia
de termos ambos quase a mesma cara.

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